* Matéria publicada na edição 534 do JPF, no dia 22 de maio de 2021.
Dispor do próprio tempo para arrecadar materiais que possam ser transformados em uma renda extra e doar o montante a uma instituição filantrópica, que mal recebe recursos das esferas municipal, estadual e federal. Foi com este intuito que o jovem Jean Carlos de Oliveira (32 anos), residente no bairro rural Quatis, iniciou um projeto para ajudar a AUPI (Associação Unidos Pela Inclusão). Através do recolhimento de latinhas vazias, o rapaz tem conseguido reverter um bom valor financeiro à entidade, proporcionando novas oportunidades de trabalho e tratamentos, respectivamente, a funcionários e assistidos. Uma ampliação da iniciativa é almejada pelo idealizador e pela própria instituição, que buscam parceiros para alavancar as atividades e desenvolver o plano.
Segundo Jean, o projeto de auxílio à AUPI surgiu por meio de uma conversa que ele teve com o próprio irmão Claudinei. “Certo dia, quando a gente estava trabalhando em uma lavoura, falei com o Nei sobre a vontade que eu tinha de ajudar uma instituição de caridade. Aí, ele me disse assim: ‘Como você já vende picolé na zona rural, porque não pega latinhas, comercializa o material e doa o dinheiro obtido?’. Daí, no final de 2019, acho que era Natal ou Ano Novo, estava na estrada de terra vendendo picolé. Quando cheguei perto da Ponte Azul, vi um punhado de lixo e um monte de latinhas descartadas em meio à natureza. Rapidamente, pensei: ‘isso é dinheiro jogado fora’. Então, catei tudo e deu 150 latinhas. Levei elas pra casa e passei a guarda-las em uma caixa d’água vazia. Pouco tempo depois, fiquei sabendo que o empresário Vanderlei Vieira, o ‘Lelei’, pegava os aneis das latas para trocar em cadeiras de rodas. Tirei os que estavam nas unidades que achei e entreguei a ele. Dias mais tarde, cheguei na residência do meu irmão e comentei com ele que estava juntando as latas, mas não ficaria com o dinheiro, pois tinha vontade de revertê-lo a algum orfanato ou instituição de caridade para poder ajudar os outros. Acho que isso é a melhor coisa do mundo. E assim fui fazendo. Até que um dia, conversando com uma amiga, fui informado sobre a AUPI e dos serviços que ela presta à sociedade. Diante disso, procurei a presidente Lucília Alberti e apresentei o meu projeto, sendo prontamente agradecido. Na mesma ocasião, ela me convidou para conhecer a associação. E foi o que fiz. Vim à sede da entidade, fui colocado a par dos trabalhos feitos junto à comunidade e vi a importância que ela tem para as crianças assistidas. Fiquei extremamente feliz em perceber que poderia auxilia-los, e dei sequência àquela atividade que já vinha fazendo. Gosto muito de ajudar o próximo, seja um idoso, uma criança ou qualquer um que precise. Sempre faço isso com amor, não para aparecer. Tenho o sonho de ver uma sociedade mais justa e igualitária. E, para isso, devemos tocar no coração das pessoas. Quem conhece a gente de verdade é somente Jesus. Não sabemos o que o ser humano é realmente capaz de fazer, mas existem muitas pessoas de boa índole, que não passam por cima dos outros por causa de dinheiro e se importam com os seus semelhantes. Por isso, acredito que o projeto dará muito certo e mataremos dois coelhos com uma cajadada só: ajudaremos a AUPI, doando os valores arrecadados com a venda de latinhas, e a natureza, ao retirar esse tipo de material do meio ambiente”.
Ainda conforme Jean, apesar das dificuldades para juntar as latinhas nesses dois anos, as expectativas foram sendo superadas com o apoio de amigos que se sensibilizaram com a causa. “Entre o final de 2019 e o início de 2021, consegui encher cinco big bags (sacos grandes para acondicionar ração) de latas lá em casa, totalizando 457 quilos de alumínio. Teve um dia que trabalhei até às 23 horas e macetei quase trinta mil latas com o pé. Com a venda de todo o material apurei R$ 2900, que fiz questão de doar à AUPI. Contei com muitos auxílios para chegar a esse resultado. O próprio comprador de alumínio foi fundamental nesse processo. Geralmente, ele paga R$ 5 pelo quilo de latinha, mas, como o valor arrecadado seria direcionado a uma instituição sem fins lucrativos, ele comprou a ‘carga’ pagando R$ 6 por quilo. Isso aumentou consideravelmente o resultado da venda. Quem também me deu suporte foi o produtor rural João Messias de Lima e sua família. Quando a caixa d’água que eu utilizava para guardar as latinhas encheu, o procurei e falei sobre o projeto. Muito humano, ele se mostrou favorável à causa e passou a me doar os big bags, pois tinha bastante em sua fazenda. E, assim, a minha ideia foi ganhando corpo, chegando a esse nível maravilhoso. Hoje, estou muito feliz com o resultado, mas espero ir mais longe. Com esta primeira doação, senti uma limpeza na alma por poder contribuir com o próximo. Fui muito bem recebido pelo pessoal da AUPI e vi que eles fazem isso por todos os assistidos também. Sendo assim, quero retribuir toda essa humanidade com bastante trabalho voluntário. A sociedade em geral precisa fazer mais projetos parecidos. As iniciativas devem vir de cima, mas não é o que acontece. Elas sempre surgem da parte de baixo, de ações voluntárias, e vão ganhando força. Comecei em uma moto, vendendo picolé e amarrando sacos com latinhas nela. Cheguei a um resultado importante, já que estou contribuindo com uma entidade que atende 66 crianças. Pretendo ampliar o projeto obtendo parcerias para arranjarmos um lugar em que possamos armazenar mais latinhas. Se Deus quiser, logo arrumaremos um barracão ou um local específico para guardar os materiais e, assim, criar a ‘Campanha do Alumínio’ em Poço Fundo em prol das instituições beneficentes. A ideia está engatinhando, mas ainda há de voar”.
Gratidão
Durante o bate-papo com Jean, a presidente da AUPI também explanou sobre o projeto. Em um tom de gratidão pela doação recebida, Lucília exaltou a atitude tomada pelo colaborador e ressaltou a necessidade de atos dessa natureza para manter os trabalhos da associação. “Quando o Jean me procurou, fiquei extremamente feliz. Graças a Deus, temos muitos amigos que ajudam a AUPI com doações, mas o caso dele causou extrema comoção em todos nós que fazemos parte da instituição. Ele abraçou a causa de uma forma jamais vista. Foi com o coração mesmo. A gente vê pelo seu depoimento. O Jean sentiu a dor que vivemos. Ele teve empatia, nos procurou, contou a sua história, falou de onde tinha saído a ideia, perguntou o que achávamos, se esse dinheiro iria ajudar… E, hoje, posso afirmar: esse valor recebido fez uma diferença gigantesca. Não só pelo lado financeiro, mas pela trajetória inteira que ele percorreu. O Jean é uma pessoa que tem muito a agregar. Sentimos um orgulho enorme dele. É um menino com o coração de ouro. Ele poderia catar as latas e ficar com o dinheiro para a própria família, mas teve essa atitude de ajudar o próximo. A iniciativa dele não é só com objetivo financeiro. Trata-se de um projeto real, que faz as pessoas pensarem em um mundo melhor, em estender a mão a quem precisa. Ficamos extremamente felizes e emocionados com o projeto, e, de cara, abraçamos a ideia. Até fizemos um vídeo para incentivar mais gente a doar as latinhas. Quando ele não conseguir ir ao local, nos programamos e buscamos os materiais. Não podemos deixar essa iniciativa morrer, pois tem toda uma trajetória por trás disso, uma história de conscientização, de empatia. A ideia é muito abrangente, e esperamos que a comunidade abrace a causa, nos ajudando a juntar latinhas, oferecendo um quintal, principalmente na zona rural, para colocarmos os bags, não descartando os materiais no lixo comum e entregando pra nós. Também temos projetos para os anéis das latinhas. Pretendemos obter as cadeiras de rodas para emprestar à população, pois quem necessita desse tipo de item sabe o trabalho que é arrumar uma na cidade. A nossa intenção é reverter tudo isso para a comunidade mesmo. Então, pedimos ao pessoal que ajude e colabore para essa ideia crescer”.
Para doar latinhas ou contribuir com a iniciativa basta entrar em contato direto com a AUPI pelos telefones (35) 3283-2208 ou 99193-1604.