PARA MANTER UMA HISTÓRIA VIVA

EDUCAÇÃO

* Matéria publicada na edição impressa de número 533 do JPF, do dia 8 de maio de 2021

 

Comunidade se une para protestar contra a municipalização da Escola Estadual Doutor Lélio de Almeida e apresenta razões para este posicionamento

Uma proposta do Governo do Estado para que os municípios assumam os anos iniciais do Ensino Fundamental tem provocado discussões e polêmicas em toda Minas Gerais. E, em Poço Fundo, a situação não é diferente. A ideia, que faz parte do projeto “Mãos Dadas”, lançado em março deste ano, atinge diretamente alunos, famílias e servidores da Escola Estadual Doutor Lélio de Almeida e causou uma forte reação entre eles, que até carreata de protesto promoveram, no último dia 30 (sexta-feira), para mostrar a insatisfação que os acometeu.

De acordo com a SEE – MG (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais), a medida, idealizada pelo governador Romeu Zema (Novo) e pela chefe da referida pasta, Júlia Sant’Anna, pretende fazer com que os municípios ampliem a oferta dos anos iniciais do Ensino Fundamental nas unidades escolares. Essa mudança contaria com o apoio do governo para viabilizar a transição, e os recursos para isso girariam em torno de R$ 500 milhões (para todo o estado). A reação contrária está fazendo com que o projeto seja assunto constante de debates, inclusive entre lideranças políticas de todas as esferas.

Ainda não há informações sobre a aceitação ou não da nova responsabilidade por parte da Prefeitura de Poço Fundo, mas já se sabe qual é a posição dos que estão no cotidiano da Escola Doutor Lélio de Almeida, alvo desta proposta: são radicalmente contra. “Estamos cientes de que vai chegar o dia em que os anos iniciais do ensino serão todos municipalizados, mas temos certeza também que, neste momento, em que vivemos uma pandemia, uma época de insegurança quanto ao futuro dos alunos e dos profissionais, não é hora para este tipo de mudança, principalmente da forma brusca como se pretende”, diz a professora Sirlene Pereira, atuante há 26 anos no Magistério e um dos nomes mais conhecidos da instituição poço-fundense.

“A medida prejudicará todos os servidores que compõem o grupo da Doutor Lélio de Almeida, especialmente agora que vivemos uma crise econômica e sanitária. Além disso, mesmo com a ajuda prometida, os gastos do Município seriam aumentados enquanto os do Governo do Estado diminuiriam, numa troca ilógica: o ente mais pobre da Federação (o Município) assumindo as despesas do que tem mais recursos (o Estado) e recebendo uma compensação que não cobriria a demanda”, complementa a educadora.

 

Protesto e conscientização

No último dia 30, servidores, ex-alunos, familiares de estudantes e toda a comunidade ligada à Escola Estadual Doutor Lélio de Almeida prestaram solidariedade ao grupo e foram às ruas de Poço Fundo para mostrar o quanto são contrários à mudança proposta pelo Governo do Estado. Dezenas de veículos percorreram as principais vias da cidade, chamando a atenção para o descontentamento de todos e também passando dados sobre os impactos do projeto. Para melhor informar a população, a equipe de profissionais lotada na instituição de ensino elaborou um texto, com perguntas e respostas, e o enviou à Redação do JPF para divulgação e esclarecimentos. Confira:

 

O que é a municipalização?

 

A iniciativa de municipalização faz parte do projeto “Mãos Dadas”, elaborado pelo Governo do Estado de Minas Gerais e que visa “entregar às prefeituras” cerca de quatrocentas escolas estaduais, com a promessa de um incentivo financeiro às cidades que aceitarem. A jura é de que os gestores recebam este auxílio e tenham aumento das verbas do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), já que cresceria o número de alunos atendidos.

 

Quais seriam os problemas?

 

Vários, a começar pelas promessas do Governo do Estado, pois, primeiro, ninguém garante que essa jura do incentivo financeiro será cumprida na íntegra. Basta atentar para os salários dos professores, que, há anos, estão sendo pagos de forma parcelada e com atrasos enormes, principalmente o décimo terceiro.

Ora, se o Estado não tem verba para pagar seus funcionários corretamente, como irá cumprir a promessa de destinar mais dinheiro às cidades simplesmente para induzi-las a aceitar a municipalização? Sabemos, ainda, que esse incentivo (se for concedido) será apenas em uma parcela. E depois? Além disso, o governo já deve aos municípios vários repasses, dentre eles os de alguns impostos, e, sendo assim, de onde vai tirar os recursos?

Prosseguindo, o aumento da verba do Fundeb, devido à ampliação do número de alunos que o Município receberá, pode também ser uma armadilha, pois, inicialmente, as despesas com Educação vão crescer.

Por fim, nada garante que o Governo Federal não reterá recursos do Fundo, coisa que já aconteceu antes.

 

Existe uma lei falando que a escola deve ser municipalizada?

 

Não. Existem leis que estipulam que o Ensino Fundamental deve ser priorizado pelo Município, mas não quer dizer que deva ser exclusividade dele, principalmente quando não for vantajoso para a comunidade.

 

Quais seriam as desvantagens para a comunidade?

 

O projeto não apresentará benefício nenhum para os estudantes em termos de Educação, mesmo porque nossas instituições já têm nível de excelência. Os professores municipais e estaduais são ótimos profissionais, não havendo motivos para acreditar que precisamos ou que teríamos uma melhora no ensino de nossas crianças com esta medida. Em 2021, a nota da Doutor Lélio de Almeida foi 6,8 – maior que as médias nacional e estadual. E, como sempre, o planejamento é para que esse resultado seja aperfeiçoado nos próximos anos. Por outro lado, a municipalização traria diversos problemas e transtornos para pais, alunos, funcionários, ex-servidores e educadores:

1 – Para pais e alunos: não temos a garantia de que não cairia o número de estudantes atendidos se o Município não comprovar que tem condições financeiras de arcar com o aumento dos custos, mesmo sem os repasses prometidos, pois, como dito, eles podem não vir. Não há garantia que o uso do prédio da escola seja mantido. A Prefeitura pode utilizá-lo para outros propósitos, levando os alunos da comunidade próxima a reorganizar seu deslocamento para estudarem. Isso afeta, inclusive, os motoristas de vans, que já têm linhas definidas. Além disso, haveria a troca de professores, de metodologia de ensino, de administração… O que fere o princípio da continuidade, algo muito importante para o educando no seu processo de ensino, e o desenvolvimento do PPP (Projeto Político Pedagógico), que define as metas da instituição. Isso tudo pode levar à perda de melhorias que estavam sendo planejadas há tempos e que seriam concluídas no decorrer dos anos vindouros, tanto da parte física quanto no ensino da entidade.

2 – Para funcionários e professores: todos os contratados ficariam sem emprego. Na Doutor Lélio de Almeida são 21 cargos nesta situação, entre educadores, ATB´s (Assistentes Técnicos de Educação Básica) e ASB´s (Auxiliares de Serviços Básicos), que não poderão ser absorvidos pelo Município, pois o tempo de serviço do Estado não será aproveitado localmente. É impossível para Poço Fundo seguir a mesma lista de classificação. Ou seja, 21 famílias ficariam sem renda de forma imediata.

3 – Para os 13 professores efetivos (23 se considerarmos os dez de outras escolas que serão diretamente afetadas pela municipalização com o encerramento de turmas) as consequências são duas: ou acontece a adjunção, que é o empréstimo do servidor à Prefeitura por um ano, ao fim do qual ele volta ao Estado, sendo que, neste período, pode ser que não haja contagem de tempo para a aposentadoria, a progressão de carreira ou estágio probatório; ou a realocação em outras instituições de ensino estaduais existentes na cidade, o que gera dissabores não só para estes como para outros profissionais, que terão de ser reposicionados em suas entidades. O problema é que, de forma alguma, as demais escolas estaduais poço-fundenses terão cargos disponíveis para absorver os 21 funcionários oriundos da Doutor Lélio de Almeida. Sendo assim, os que não forem reposicionados ficarão em excedência, situação de risco, pois se abre um precedente para que possam até mesmo ser demitidos, já que o Estado não terá interesse em manter milhares de pessoas resultantes das municipalizações em massa. Além disso, os professores que conseguirem reposicionamento nas instituições gimirinenses estarão “tirando” a possibilidade dos colegas estabelecidos há muito tempo nas mesmas de pegarem aulas em extensão, de apoio, de uso da biblioteca… Ou seja, lhes afetará indiretamente. Ao todo, serão 42 famílias prejudicadas, fora as que perdem “de tabela” com as mudanças.

4 – Para ex-funcionários: a existência da Doutor Lélio de Almeida é uma história de lutas. Desde a construção, passando pela reforma do prédio, que era “de lata”, estacionando na resistência às sucessivas propostas de municipalização, pode-se dizer que tudo aconteceu pelos esforços e pelas batalhas de muita gente. Nomes que estão na memória da instituição, como Lusa Peres, Maria Helena Teodoro (Lelena), Ana Maria Martins, Janaína Dias, Neide Luz, Geralda Tavares, Maria Aparecida de Lima (Cida do Tino), dentre outras, possibilitaram a existência e a permanência da Doutor Lélio de Almeida. Todo cidadão de Poço Fundo já estudou, trabalhou, conhece ou tem alguma relação próxima com a escola. Não podemos deixar esta história morrer! Não podemos permitir que se apague o legado de quem compôs o hino, desenhou a bandeira, participou da construção da instituição. Aceitar isso é um desrespeito com as lutas passadas de todos os colegas.

 

O Município é obrigado a aceitar a mudança?

 

Não. A decisão é da comunidade e, em última instância, do prefeito e dos vereadores. Podem dizer não, se assim for da vontade deles. O Município tem, inclusive, que comprovar capacidade financeira para absorver as matrículas do Estado, de forma que, caso os repasses e incentivos não aconteçam, não estejamos diante de um caos econômico para a Educação local. Tem que comprovar estar com o atendimento na Educação Infantil em dia, uma vez que, existindo alunos não ociosos nesta categoria, é incoerente aumentar este número. Ou seja: não é compreensível querer receber crianças que estudam do 1º ao 5º ano, quando as da creche, de 0 a 3 anos, ainda não foram totalmente matriculadas. Além disso, com a pandemia e as instituições em quarentena, não podemos nem mesmo saber qual é a demanda de vagas para a Educação Infantil, uma vez que muitos que optam por manter os filhos em casa irão procurar as inscrições somente quando as aulas presenciais retornarem. a Prefeitura, antes de assumir a escola, deve comprovar que está em dia com o Plano Municipal de Educação e que a mudança não vai interferir no Plano Estadual de Educação.

Por estas e outras razões é que a comunidade escolar se posiciona contra a municipalização, da forma como se pretende que seja imposta, e convida toda a população para que se junte aos servidores da Doutor Lélio de Almeida nesta resistência, apoiando a causa e seguindo com eles nesta luta!

 

Audiência Pública

 

No último dia 5 (quarta-feira), a Câmara de Vereadores publicou, nas redes sociais, um Edital de Convocação de Audiência Pública para tratar sobre o tema. Requerida pela edil Marília de Lima, a reunião será promovida com o intuito de “obter dados, subsídios, informações, sugestões, críticas ou propostas concernentes ao projeto Mãos Dadas, do Governo do Estado de Minas Gerais”, que visa criar meios para municipalizar a Escola Estadual Doutor Lélio de Almeida.

Segundo o documento, a ação se faz necessária devido à alta complexidade do assunto e aos impactos que a medida pode provocar na Educação Municipal, e todos os atores sociais envolvidos estão convidados a participar. As pessoas ou profissionais que quiserem fazer o uso da palavra deverão protocolar um requerimento junto à Secretaria do Legislativo, com antecedência mínima de três dias úteis da data do evento.

Na oportunidade, como forma de prevenção à contaminação pelo Covid – 19, a presença do público no Plenário da Casa será limitada a 30% da capacidade total. A sessão também será transmitida, ao vivo, pelo Facebook.