UM RESGATE DA HISTÓRIA

LITERATURA
Júlio Olivar lançará, em breve, o “ALMAnaque Poço Fundo”

Resgatar a história de Poço Fundo, contar passagens que só as gerações antigas conseguem lembrar, comparar os diversos setores da cidade em tempos idos e na atualidade… Enfim, fazer um paradoxo entre o passado e o presente do município. É com este intuito que o jornalista e escritor gimirinense Júlio Olivar lançará, em breve, o “ALMAnaque Poço Fundo”. Contendo centenas de páginas, o livro já é aguardado pela grande maioria da população, que pretende se deliciar com os conteúdos obtidos e formatados pelo autor. E, para você, leitor, que quer matar a curiosidade sobre como será a obra, o JPF adianta algumas particularidades da mesma através de uma entrevista exclusiva feita com Júlio. Confira e se prepare para o lançamento do livro:

 

JPF: Em uma prévia divulgada nas redes sociais, você anunciou o lançamento de um novo livro contando fatos ligados à história de Poço Fundo, intitulando-o como um almanaque. Este será o nome real da obra? Como surgiu a ideia para conceber este trabalho?

Júlio: Eu tinha apenas 21 anos em 1994, quando iniciei minhas pesquisas, tantas vezes interrompidas, para o livro. O primeiro a me incentivar e me doar algumas fotos foi o Marco Lima, fotógrafo, que, aliás, até hoje me ajuda. A princípio, o nome seria “O Baú”. Depois mudei para “Foi assim”. E, por fim, batizei o livro como ALMAnaque Poço Fundo, pois, de fato, é um ajuntamento de informações e curiosidades sem a pretensão acadêmica. Enfatizei “alma”, pois o livro tem imo poço-fundense, um almanaque com alma. A ideia do livro surgiu pelo meu próprio interesse em conhecer melhor a história da nossa terra natal, de onde saí há um quarto de século, perdurando, porém, o mesmo afeto desde o menino que perambulava fotografando e colecionando objetos.

 

JPF: Pelo que já foi adiantado à reportagem do JPF, o seu novo livro procura fazer um comparativo entre o passado e o presente poço-fundense, remetendo os acontecimentos a diferentes personagens e épocas. Como é para você, que reside longe do município há bastante tempo, escrever uma obra tão saudosista?

Júlio: Existe uma sensação de saudosismo, não daquele que faz mal por ser carregado de melancolia, mas, sim, uma saudade positiva, é um prazer indescritível a cada descoberta, a cada contato. Eu imaginava que muita gente que tenho abordado já houvesse falecido, pela idade. Falei recentemente com uma irmã do doutor Lélio de Almeida, morto em 1957. Também estabeleço comparações sociológicas e estatísticas entre o hoje e o ontem, facilitando ao leitor o entendimento de como Poço Fundo se formou desde o Brasil Colônia, com muitos dados nunca divulgados sobre a formação da nossa terra, até chegarmos ao presente.

 

JPF: Como foram feitas as pesquisas para escrever este novo livro? O advento das redes sociais e da internet contribuíram muito? Grande parte do material foi coletada junto ao rico acervo que você possui sobre o município? Muita gente disponibilizou conteúdos de seus arquivos pessoais?

Júlio: Pesquisei em importantes arquivos públicos de Minas Gerais, em várias cidades, como Belo Horizonte, Campanha, Ouro Fino, Caldas e Machado. Tenho dezenas de cadernos com anotações, fotografias e mapas. Viajei bastante, usando minhas férias, para esta obra que concebi como missão. Em Poço Fundo, tive acesso a documentos da Paróquia, coleções pessoais de jornais, cartas, anotações… Por último, tirei 2019 para dar o término à redação e foi quando mais abordei pela internet pessoas ligadas a Poço Fundo. Estou conquistando uma grande adesão de pessoas de todas as classes sociais e faixas etárias, às quais agradecerei no livro por disponibilizarem suas preciosidades. Poço Fundo tem grandes memorialistas e idealistas que pesquisam e conservam a memória local. Tomei o depoimento de setenta pessoas. Agradeço a todas. E lamento pelo fato de algumas, bem poucas, não terem querido participar. Sim, a internet ajudou demais, tanto na facilidade das pesquisas em arquivos públicos quanto na abordagem dos entrevistados. Comecei escrevendo o livro com trocas de cartas e o termino no WhatsApp.

 

JPF: Os vários capítulos do livro serão divididos de maneira específica ou seguirão aleatoriamente, com um assunto puxando o outro?

Júlio: Tentei separar por períodos. Começo falando dos índios, quilombos, Ciclo do Ouro. Tudo isto está diretamente ligado às sesmarias e à Lei de Terra, de 1850, que originaram a ocupação de Poço Fundo. Depois, fixo o olhar no Brasil Império, na escravidão, na cultura da época e nas movimentações políticas protagonizadas por Barão de Alfenas até chegarmos à República e à instituição de Gimirim como município autônomo. A partir de 1930, com o fim do coronelismo e o início da Era Vargas, a cidade deslanchou, havendo muitas nuances históricas pouco divulgadas.

 

JPF: Ao longo de sua carreira jornalística, você já escreveu outros tantos livros. Inclusive, um deles fala sobre a história da cidade de Santo Antônio da Madeira, que deu origem ao Estado de Rondônia, mas acabou sumindo do mapa. Como jornalista e escritor, pode-se afirmar que você tem uma preferência por este tipo de gênero? Por quê?

Júlio: Acho que muitos mineiros apreciam este gênero literário. Existe um lastro lusitano que justifica o caráter conservador e o interesse pelas pesquisas historiográfica e biográfica. No entanto, não gosto muito da história “chapa-branca”, fundada apenas em documentos cartorários que enaltecem o “grande”. O interesse maior meu é sobre o que está por trás de cada história e das personagens que a compõe. Poço Fundo tem excelentes histórias, inclusive no campo pitoresco.

 

JPF: Conforme anunciado nas redes sociais, esta nova obra contará com novecentas páginas, aproximadamente. Provavelmente, como todo escritor faz, os levantamentos acabam passando por um filtro para que se obtenham apenas os fatos mais importantes. Neste caso, alguma coisa ficou de fora ou todos os casos pesquisados acabaram entrando na obra?

Júlio: Já temos estas novecentas páginas escritas e ainda acrescentaremos mais umas cem. Depois deste processo, aí que faremos a filtragem, a edição. Será concebida por um editor profissional, sem paixões, para que o livro seja reduzido e ofereça uma leitura fluente, sem rebuscamentos. Com certeza, muita coisa ficou de fora, principalmente aspectos impublicáveis por carência de provas cabais e outros por serem muito privados, e decidimos não atuar como bisbilhoteiros. Ao final, a obra resultará em umas seiscentas páginas, com muitas fotos.

 

JPF: Qual será a tiragem do livro? O lançamento oficial será feito em Poço Fundo? Já existe uma data para isso acontecer?

Júlio: A tiragem não sei ainda. Mas quero ter a versão de papel, que muitos desdenham, achando que “acabou”, mas se não fosse minha papelada e fontes, como atas e jornais, incluindo o “Jornal de Poço Fundo”, não teria concluído o livro. Perdi um HD externo com umas mil fotos, mas minhas caixas de papeis continuam comigo. Então, teremos um livro clássico, de papel, para ficar para sempre, e outra versão para plataformas digitais. Quero lançar em abril de 2020, durante os 150 anos de Poço Fundo.

 

JPF: Por se tratar de um almanaque com centenas de páginas pressupõem-se que diversas personalidades e pessoas que marcaram a história de Poço Fundo, tanto social como culturalmente, sejam citadas. Dentre esses “personagens”, qual seria o seu preferido ou que mais se destaca?

Júlio: São realmente muitas pessoas. Cada um se destaca em seu tempo. O leitor vai perceber os personagens nascendo e morrendo na história. Curiosamente, quando estou escrevendo entro no mundo dos personagens, alguns mortos há muito mais de cem anos, e parece que os conheço. Tento ver o mundo pelos olhos deles quando estou descrevendo os mesmos. Não tenho um personagem preferido, mas gostei de ver as ponderações de Salles Pereira sobre República e escravagismo, e o achei interessante pelo fato de na casa dele ter maçons, protestantes e católicos, um sincretismo sem par. Admirei muito os professores, como Ximenes César, Joaquim Ramos e Patrício Paes; as viagens longas de gente como a educadora Amália Malheiros, carioca que chegou em Machadinho em 1900 trazendo apenas o filho pequeno. As intervenções dos padres na formação da identidade local, inclusive fundando o primeiro time de futebol, atuando no combate à gripe espanhola, etc. Percebi claramente o espírito de liderança de José Dias de Gouvêa e suas brigas intermináveis com Machado, que culminaram na criação de Gimirim. As questões macros como a briga do presidente Artur Bernardes com Zeca da Pedra de Campestre, que beneficiou diretamente Gimirim. Lembro do político mais injustiçado do município: Claudionor Pereira Lima, que era parceiro do coronel e foi praticamente cassado, sem processo, por ter votado contra o ditador Getúlio Vargas. Mas, no livro, não falo somente de política. Falo, sobretudo, de pessoas comuns com vivências extraordinárias: de fumeiros, leiteiros, tropeiros, lavradores… Falo muito também da cultura popular, das tradições e dos tipos que marcaram época em nossa cidade querida.

 

JPF: Suas considerações finais.

Júlio: Agradeço aos que se dispuseram a ajudar no feitio desta obra, que considero coletiva. Não vou citar nomes aqui, pois são muitos. Quero que o livro seja visto não como uma obra minha, mas, sim, de Poço Fundo. Parabéns aos historiadores e pesquisadores de várias épocas – homenageio, em especial, Gesner Ferreira e Schiller Ferreira Noronha, que foram pioneiros neste setor – e àqueles que, hoje em dia, divulgam nossa história através das redes sociais, como é o caso do Jayme Mendes Goncalves, que, desta forma, democratizam o acesso ao saber. Meu grande sonho é que Poço Fundo possa ter um Museu Municipal e que todos apreciem e valorizem a nossa história, que é a mãe de toda a sabedoria.

  • Matéria publicada na edição 487 do JPF, de 25 de maio de 2019.